Ana Raspini é viajante, além de professora de Inglês, e escritora.

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Brasileira, professora de Inglês, escritora, mas acima de tudo, viajante.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Quando eu chorei numa viagem

A Ana Claudia Crispim, do blog Rivotrip, escreveu esse texto aqui falando das vezes que ela, e alguns amigos, choraram de emoção numa viagem. Então, eu fiquei pensando se eu também já havia chorado de emoção numa viagem...

Passei dias pensando no que senti ao ver o Coliseu, a Torre Eiffel, meu primeiro castelo... Mas me dei conta de que as vezes em que realmente me emocionei numa viagem não foram necessariamente ligadas a questões visuais.

Não sou uma pessoa muito 'visual', sou mais 'sinestésica', me marcam mais as coisas ligadas à sensação. Minhas lembranças mais vívidas são aquelas ligadas ao sabor, cheiro, som e toque das coisas.

E ao perguntar a amigos o que mais os emocionou em viagens, uma amiga que disse que "já pseudo chorou ao ver algumas obras de arte", também lembrou que as obras de arte que mais a amocionaram foram aquelas que ela nem sabia que veria.

Taí, o elemento surpresa é uma das características mais importantes da emoção arrebatadora que arranca lágrimas dos nossos olhos.

Foi então que lembrei... Lembrei da vez em que agradeci pela escuridão do lugar, onde as pessoas não viram que eu estava vermelha, de olhos marejados tentando disfarçar:

Queríamos ver Fado em Lisboa, mas não sabíamos em qual das casas de Fado profissional ir. Ao perguntar à recepcionista do Hostel que lugar ela recomendava, ela explicou que nessas casas de Fado o ambiente, as fantasias, os cantores, os musicos são quase um teatro, tudo perfeitinho para impressionar o turista, mas que lhes falta a raiz, o coração, justamente aquilo que faz do Fado esse retrato do povo português que ele é.

Ela mencionou a Tasca do Chico, e explicou como funciona o Fado Vadio: num bar despretencioso, lisboetas se reúnem para beber, conversar e, quando alguém se sente inspirado, levanta e canta. Sem roupas típicas, sem maquiagem, sem encenação, apenas canta o Fado que lhe vem ao coração. Dois violeiros acompanham, claro.

Chegando na Tasca do Chico, vimos o lugar com apenas sete mesas comunitárias encher logo, e ainda tinha gente em pé e outras do lado de fora. O tal Chico se faz mestre de cerimônias, e abre a noite, mencionando algum lisboeta célebre que esteja presente.

Quando a primeira pessoa cantou, aquele ritmo e aquele sotaque ainda me eram estranhos, mas achei lindo de qualquer forma. Mas foi quando a segunda pessoa cantou, uma senhora cuja história daria um Fado só para si, foi que tudo aconteceu.

Chico explicou que ela não cantava há mais de um ano, em luto pela morte da mãe. E a cantora soltou os pulmões numa canção chamada "Segredos", numa letra que entrou em mim e não saiu até hoje...

"Fui amada, fui negada, 
Fugi, fui encontrada, 
Sou um grito de revolta.

Mesmo assim, porque te prendes? 
Foge de mim, não entendes? 
Eu nasci para ser gaivota"

"Eu nasci pra ser gaivota"... Enchi os olhos d'água, tentei secar sem ninguém perceber, envermelhei... Aquilo foi das coisas mais profundas, mais genuínas que já vi e ouvi na vida. É preciso estar em Portugal para entender porque o português nasceu para ser gaivota...

Essas memórias afetivas de viagem são as mais preciosas, lembrar de como você se sentiu surpreso e feliz vale mais do que mil fotografias para mim.



Acredito, de verdade, que a beleza salvará o mundo. É a beleza que me salva a cada dia.

***

Um fado na Tasca do Chico:


A canção "Segredos":

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