Ana Raspini é viajante, além de professora de Inglês, e escritora.

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Brasileira, professora de Inglês, escritora, mas acima de tudo, viajante.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Como sabemos se o processo de imigração foi concluído com sucesso?

Dia 12/12/2017, hoje faz um ano que chegamos na Alemanha para morar. Apesar de já conhecer o país antes, pois já era casada com um alemão há 6 anos naquela data, cheguei cheia de sonhos e ilusões. Lembro vivamente de achar até o céu naquele dezembro cinza tão lindo que valia uma foto. Fiz a foto, logo depois fui descobrir que comprar uma cozinha custaria os olhos da cara e que não poderíamos financiá-la, como anunciado no site da empresa, pois meu esposo ainda não tinha 6 meses no emprego (na data, ele não tinha nem um dia, apenas o contrato). A cozinha era uma das pouquíssimas coisas que poderia ser financiada aqui. Ali nos demos conta dos espinhos com os quais não contávamos pelo caminho.
   Àquela experiência seguiram-se outras, tão ruins quanto, senão piores. Enquanto eu não comprovasse o nível A1 de alemão (o qual eu havia estudado já no Brasil, mas do qual eu não tinha um certificado de um órgão oficial, como o Goethe Institute, por exemplo), eu não ganharia ajuda de custo do governo para fazer o A2, e não me dariam um visto de permanência, mesmo sendo casada com cidadão da UE. Porém, eu não queria ficar sentada esperando a prova do A1 chegar. Me inscrevi no curso do A2 pagando valor integral. Acontece que sem visto, eu não poderia trabalhar, apenas estudar.
Imagine estar desempregada, pagando caro para estudar, enquanto precisa mobiliar uma casa do zero. Quer mais? Imagine nesse cenário, você receber uma multa de alguns milhares de euros por download ilegal. Erro nosso, obviamente, pois devíamos ter nos informados sobre as leis a respeito, antes de eu baixar alguns seriados para ver naquele muito tempo que eu tinha livre nas mãos. Pois é. A vida acontece. Nunca me senti tão triste como naquela ocasião. Costumo dizer que aquele foi o meu momento “Bem vinda à Alemanha”. Contratamos um advogado para nos livrar da multa, pois o advogado custaria menos que a mesma, e seguimos o baile.
   Sim, viemos pois meu esposo havia recebido uma proposta de emprego aqui, e a renda dele era, sim, algo com que podíamos contar. Porém, pagando pelo meu curso e transporte, pagando aluguel e todas as outras coisas necessárias a uma casa, sobrava muito pouco para móveis. Fiz uma lista de móveis mais prioritários, e compramos quase todos usados pela internet, uma dádiva deste país. Alguns móveis que eu encontrava muito baratos na internet, mas que não eram prioritários, tive a brilhante ideia de fazer um “uso duplo”. Nossa escrivaninha de hoje foi, por muito tempo, mesa de jantar. A estante de livros foi, por ainda mais tempo, nosso guarda-roupas.
Finalmente o resultado positivo da prova do A1 chegou e o governo pagou pelo meu curso de B1. Depois de alguns documentos perdidos (!!!) pela secretaria de imigração, depois de muitas entrevistas e de algumas taxas, em abril de 2017 meu visto chegou e pude trabalhar. Trabalho aqui não falta, e eu já tinha uma vaga garantida como professora de inglês numa escola de idiomas desde antes mesmo de meu visto chegar. Estudar 20hs e trabalhar outras 20hs em algo que realmente amo me fez sentir bem mais viva e útil.
Em maio comecei outro processo que viria a se tornar a maior dor de cabeça de todas: a temida carteira de motorista alemã. Valores altíssimos, mais de 1000 questões teóricas para memorizar, instrutor rude que passava todas as aulas drenando até a última gota de auto-estima e motivação que eu tinha. Para ele, tudo que eu fazia ao volante era errado, tudo era reflexo do péssimo trânsito brasileiro. Na primeira prova teórica, falhei. De novo, aquele sentimento de não-adequação tomava conta de mim. Aquele foi meu momento “Este país não é para amadores, e você é uma mera amadora”. Mais estudo, mais aulas, mais dinheiro investido, um total de 3 meses e 1.500 euros gastei nesse processo. Finalmente, fui aprovada na prova teórica. Uma semana depois, fui aprovada na prova prática de primeira. Mais um mês depois, chega o certificado do B1 com boas notas.
Quando você olha pra trás para estas conquistas, você pode achar que me sinto como se tivesse alcançado muito. Mas não. Mesmo depois de tudo isso, nada me tira da mente a certeza de que um imigrante só está totalmente adaptado ao novo país quando você consegue explicar ao cabeleireiro que corte quer, ao dentista o que aconteceu, e ao médico os sintomas que sente.
Hoje eu fui ao cabeleireiro sozinha pela primeira vez e, mesmo com meu alemão quebrado, o corte saiu mais parecido com o que eu queria do que nas outras duas vezes em que fui com meu esposo ou uma amiga como tradutores. Em um ano eu só havia ido ao cabeleireiro duas vezes, por medo. No Brasil, em um ano, eu teria ido ao cabeleireiro seis vezes.
    Já precisei ir ao dentista sozinha, um que não falava inglês, mas como ele falou muito mais do que eu sobre o que precisava ser feito, saí com a auto-estima quase ilesa. Quando eu não entendia uma palavra, ele tinha paciência suficiente para mostrar numa boca de gesso sobre o que ele estava falando. Não foi uma conversa satisfatória, mas creio que nos entendemos.
       Porém, até hoje só fui ao médico acompanhada, ou exijo que me coloquem com a médica que sei que fala inglês. Não tenho, absolutamente, vocabulário em alemão para explicar sintomas, efeitos colaterais e afins. Um ano aqui não foi suficiente para tal. Me pergunto quanto tempo precisarei para isso.
   Por isso, para mim, isso é o que significa concluir felizmente a adaptação ao novo país: conseguir se virar em qualquer situação, seja ela qual for, emergencial ou não, na língua local, sem ajuda.

    Lembro com orgulho de quando comprar uma simples passagem de ônibus com o motorista era um pesadelo, e que hoje isso faz parte do meu cotidiano. Hoje mesmo, tive minha primeira conversa “fiada” na parada do ônibus com outros passageiros. Hoje, o pesadelo do cabeleireiro foi exorcizado com sucesso. Quando o pesadelo do médico e do dentista também serão? Um medo de cada vez.