Ana Raspini é viajante, além de professora de Inglês, e escritora.

Minha foto
Brasileira, professora de Inglês, escritora, mas acima de tudo, viajante.

sexta-feira, 5 de março de 2021

Imigrante

Sair do país é sair-se de si

Olhar para dentro por outro ângulo

Como a alma observa o corpo a dormir

De acordo com aqueles que acreditam em almas.

O formato das tomadas, as portas e janelas

Novas regras sociais

O sabor da água, da sobremesa...

Sua consciência vira imigrante no seu corpo

Seu corpo é imigrante naquele clima

A mercê das doenças de pele

Que o frio marca como se fosse ferro em brasa.

A mercê dos pães e das carnes

E os dentes que se vão com eles.

Você substitui preocupações como roubo e estupro

Pela preocupação com a cal

Ou com os animais que roem os cabos do seu carro

O que pode ser igualmente letal, dependendo do cabo.

Sair do país é descobrir que a gestação de uma amizade

É a mais longa do reino animal

É um curso intensivo nos defeitos dos outros,

Mais os seus, mais as dificuldades circunstanciais.

Sair do país é dar um novo sentido à solidão

O sentido mais completo

Não reconhecer e nunca ser reconhecido

Tornar-se invisível na multidão, no trabalho, no bairro

Passar dias sem proferir um som familiar,

Dias sem ouvir um som familiar.

Expandir-se a vários continentes traz o gozo, a dor

E o discernimento de que não há volta para o ninho.


Vilsalpsee, Austria